No campo da psiquiatria, a farmacogenética tem acumulado cada vez mais evidências de sua utilidade na prescrição de psicoterápicos. Alguns genes-chave têm se destacado por sua forte associação com a efetividade e segurança desses medicamentos. Na prática clínica, é essencial conhecê-los e entender como afetam a resposta terapêutica.
Com isto em mente, uma revisão narrativa publicada no Journal of Clinical Psychopharmacology propôs discutir a influência de variantes genéticas nesses 6 genes – nominadamente CYP2D6, CYP2C9, CYP2C19, CYP2B6, HLA-A e HLA-B – na resposta a psicotrópicos. Leia o artigo aqui.
Veja a seguir quais são os 6 principais genes da farmacogenética na psiquiatria:
Os 6 principais genes na farmacogenética na psiquiatria
- CYP2D6
Sem dúvidas, este é o principal gene associado à resposta terapêutica de psicoterápicos. O gene CYP2D6 codifica a enzima de metabolização CYP2D6, que metaboliza 69,2% dos medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA), incluindo antidepressivos (como fluoxetina e paroxetina) e antipsicóticos utilizados com maior frequência.
O gene CYP2D6 é central na metabolização de medicamentos e apresenta uma variabilidade significativa, com 163 alelos (ou seja, variações do gene) identificados. Esses alelos são classificados com base em sua função, incluindo os com função normal, diminuída, nula e com função incerta/desconhecida.
Na população europeia, apenas 13 alelos do CYP2D6 têm frequência superior a 1%. Destes, 6 têm função normal (*1, *2, *33, *34, *35 e *39), 3 têm função diminuída (*9, *10 e *41) e 4 não têm função (*3,*4, *5 e *6). O gene CYP2D6 também possui variações no número de cópias, como *1×2 e *2×2, que aumentam o metabolismo de medicamentos, e *4×2, que anula o metabolismo de substratos do CYP2D6. A proximidade do gene CYP2D6 com os pseudogenes CYP2D7 e CYP2D8 contribui para a formação de alelos híbridos, complicando a atribuição de um fenótipo a um genótipo.
O Clinical Pharmacogenetics Implementation Consortium (CPIC) atribui uma pontuação de atividade a cada genótipo, indicando a capacidade de metabolização. Com base nisso, aproximadamente 6% dos europeus são metabolizadores lentos, 38% são intermediários, 49% são normais e 2% são metabolizadores ultrarrápidos.
- CYP2C19
O gene CYPC219 codifica a enzima CYP2C19, que metaboliza cerca de 15,5% dos medicamentos aprovados pela FDA, incluindo citalopram, escitalopram e sertralina.
Foram identificados um total de 36 alelos diferentes, sendo 7 com função normal (*1, *11, *13, *15, *18, *28 e *38), 12 inativos (*2, *3, *4, *5, *6, *7, *8, *22, *24, *35, *36 e *37), 6 com função reduzida (*9, *10, *16, *19, *25 e *26), e um com função aumentada (*17). Os demais não têm função conhecida. Destes, somente *1 (normal), *17 (aumentada) e *2 (reduzida) apresentam uma frequência maior que 1% na população europeia.
É importante destacar que o alelo *17 é de função aumentada e foi associado a concentrações séricas de escitalopram 42% menores comparado com portadores de alelos normais. Já metabolizadores lentos (portadores de alelos de função reduzida) tratados com citalopram ou escitalopram apresentaram eventos adversos gastrointestinais (OR 1,26), neurológicos (OR 1,28) e sexuais (OR 1,52) mais graves do que metabolizadores normais.
Ao contrário do gene CYP2D6, o CPIC não atribuiu escores de atividade para os alelos de CYP2C19. O perfil de metabolização ou fenótipo dos pacientes (ou seja, se o indivíduo é metabolizador lento, intermediário, rápido ou normal) é estabelecido de acordo com a função definida de cada alelo. Por exemplo, metabolizadores ultrarrápidos são portadores de 2 alelos de função aumentada, enquanto metabolizadores lentos são portadores de 2 alelos de baixa função. Com relação à frequência, 2,4% dos europeus são metabolizadores lentos, 26% são intermediários e 4,5% são ultrarrápidos.
- CYP2C9
O gene CYP2C9 codifica a enzima CYP2C9, que metaboliza cerca de 1,9% dos medicamentos aprovados pela FDA. Um exemplo de medicamento psicoterápico metabolizado pela enzima CYP2C9 é a fenitoína.
Sua variabilidade é um pouco menor do que a do gene CYP2D6, apresentando cerca de 85 alelos diferentes: 2 com função normal (*1 e *9), 27 com função reduzida (*2, *3, *4, *5, *8, *11, *12, *13, *14, *16, *23, *26, *28, *29, *30, *31, *33, *37, *38, *44, *46, *50, *55, *58, *59, *60 e *61), 11 sem função (*6, *15, *24, *25, *35, *39, *42, *43, *45, *52 e *62). O restante não possui função estabelecida. Na população europeia, somente os alelos *1 (função normal), *2 (função reduzida) e *3 (sem função) são mais comuns, com uma frequência maior que 1%.
Assim como para o gene CYP2D6, o CPIC também atribui uma pontuação para a atividade de cada alelo. Sabe-se que cerca de 3% dos europeus são metabolizadores lentos, enquanto 35% são intermediários e 63% são normais.
- CYP2B6
O gene CYP2B6 codifica a enzima CYP2B6, que tem uma importância secundária, porém relevante, na metabolização de sertralina.
O gene possui 48 alelos diferentes, sendo 6 com função normal (*1, *2, *5, *17, *31 e *32), 9 com função reduzida (*6, *7, *9, *19, *20, *26, *29, *34 e *36), 10 inativos (*8, *12, *13, *18, *24, *28, *30, *35, *37 e *38) e 2 com função aumentada (*4 e *22). Destes, apenas os alelos *1, *2, *4, *5, *6, *7, *9 e *22 têm frequência maior que 1% na população europeia e podem ser de interesse para pacientes com um padrão de resposta alterado à sertralina.
A atribuição do fenótipo é realizada, assim como para CYP2C19, de acordo com a função definida de cada alelo. Cerca de 7,4% dos europeus são metabolizadores lentos, 39% são intermediários e 0,3% são ultrarrápidos.
- HLA-A e HLA-B
Os genes HLA-A e HLA-B são dois genes bastante relevantes na prática clínica. Estes genes codificam o sistema de antígeno leucocitário humano (human leukocyte antigen, HLA) A e B, respectivamente. O HLA também é conhecido como complexo principal de histocompatibilidade de classe I, e é expresso na superfície das células apresentadoras de antígeno para reconhecimento do antígeno pelos linfócitos T. Devido à sua função, os genes HLA-A e HLA-B têm uma sequência de nucleotídeos altamente variável, de forma a amplificar o reconhecimento de potenciais antígenos. No entanto, isto pode resultar no reconhecimento errôneo de algumas moléculas não prejudiciais, como os fármacos, por exemplo.
Os alelos HLA-B*15:02 e HLA-A*31:01 foram associados à hipersensibilidade à carbamazepina e oxcarbazepina em 3 a 10% dos pacientes, principalmente asiáticos. As reações de hipersensibilidade em portadores desses alelos que utilizam esses medicamentos podem variar desde erupção cutânea (rash) até síndrome de Stevens-Johnson, podendo ser letais. Dessa forma, é muito importante rastrear esses alelos em pacientes que irão utilizar carbamazepina, especialmente aqueles de origem asiática.
Diretrizes de prescrição baseada na farmacogenética
O CPIC é um dos órgãos que estabelecem diretrizes baseadas em evidências para apoiar a prescrição baseada na farmacogenética. Os níveis de evidência para cada variante podem variar desde 1A (maior nível de evidência) até o nível D (menor nível de evidência), o que auxilia na interpretação dos laudos de farmacogenética.
Outro grupo que também elabora diretrizes é o Dutch Pharmacogenetics Working Group (DPWG), da Holanda. Na Holanda, a genotipagem de CYP2C19 e CYP2D6 é comum para os pacientes que já iniciaram o tratamento com um antidepressivo ou antipsicótico e apresentam ineficácia ou reações adversas. Recomenda-se o teste farmacogenético quando o paciente utiliza inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina (ISRN), antidepressivos tricíclicos ou que utilizaram diversos medicamentos diferentes com metabolismo de CYP semelhante e não apresentaram resposta satisfatória. Para os antipsicóticos, recomenda-se o teste caso o paciente apresente eventos adversos ou falta de resposta a qualquer antipsicótico diferente de clozapina.
Em conclusão, a farmacogenética tem se mostrado uma ferramenta cada vez mais valiosa para a aplicação na psiquiatria. Há um sólido corpo de evidências que embasam a prescrição baseada no teste farmacogenético, especialmente para os genes CYP2D6, CYP2C19, CYP2C9, CYP2B6, HLA-A e HLA-B. Utilizando-se o teste farmacogenético, é possível reduzir a incidência de reações adversas graves, hospitalizações, absenteísmo e outros problemas relacionados ao tratamento com psicoterápicos.
Os testes da ConectGene trazem apenas informações farmacogenéticas com elevado nível de evidência científica e os relatórios são atualizados com novos medicamentos e novas evidências a cada 6 meses.
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