O artigo Pharmacogenetic testing in primary care could bolster depression treatment: A value proposition da revista médica Clinical and Translational Science traz um debate interessante sobre farmacogenética e saúde mental na atenção primária.
Neste artigo, os autores iniciam o documento com a seguinte frase – aqui livremente traduzida – “Testes farmacogenéticos poderiam reduzir o tempo para identificar um medicamento seguro e eficaz para depressão; no entanto, são subutilizados na prática.” Essa frase é de impacto, e não somente clínico, mas também econômico para a saúde pública; vamos entender melhor? O artigo original pode ser baixado neste Link.
O estudo é norte-americano, então, vale lembrar que não estamos falando de um contexto ligado ao nosso Sistema Único de Saúde e nem mesmo à nossa estrutura de saúde privada. Entretanto, podemos extrapolar as conclusões do estudo para entender melhor nossa conjuntura neste tema.
Consideramos a depressão um “mal do século” e isso permeia todas as camadas da sociedade brasileira, podendo se manifestar enquanto sintomas leves ou moderados e, ocasionalmente, chegando a se instalar como uma doença persistente (ou crônica).
A depressão ainda é, segundo o Ministério da Saúde, uma doença em que o Brasil lidera em prevalência, comparado ao resto da América Latina (confira no Link). Mesmo que o Brasil ofereça o tratamento pelo SUS na atenção primária (exs.: UBSs e CAPS), e muito se discuta sobre hábitos e terapias não farmacológicas para controlar sintomas depressivos e ansiedade, ainda não saímos dessa liderança sombria no que cabe à depressão maior, principalmente. Sendo assim, como podemos “pensar fora da caixinha” para otimizar esses tratamentos e até economizar dinheiro público?
Os autores do estudo, que trataremos nesse post, propuseram que adaptar o uso de testes farmacogenéticos às necessidades dos psiquiatras, para vários contextos, poderia auxiliar muito no estabelecimento de uma proposta de valor generalizável e aumentar a probabilidade de adoção dos testes por esses profissionais.
Resumo Metodológico:
- Foram realizadas entrevistas, no período de abril a dezembro de 2022, com dois grupos de instituições de saúde:
- Prescritores de medicamentos para saúde mental; e
- Administradores dos mesmos institutos dos prescritores.
- Snowball sampling approaches
- Indivíduos inicialmente abordados pelo grupo de pesquisa encaminhavam a equipe para outros colaboradores da mesma instituição cuja função administrativa envolvesse a implementação de testes farmacogenômicos em suas respectivas instituições.
- Estes, após entrevistados, encaminhavam por e-mail, ao coordenador do estudo, prescritores das instituições para serem convidados a responder o estudo.
- Questionários estruturados considerando diferentes conceitos em ciência da implementação:
- Theoretical Domains Framework (TDF); e
- Consolidated Framework for Implementation Research (CFIR).
- Conceitos abordados pelos questionários: apoio, clima de implementação, engajamento da liderança, recursos disponíveis, habilidades (competências pessoais, conhecimento de procedimentos), benefícios (crenças sobre consequências e vantagem relativa), força e qualidade da evidência (crença no estado das evidências sobre farmacogenética para saúde mental) e se consideraram os custos em sua decisão de usar testes farmacogenéticos na prática clínica.
- Por fim, uma proposta de valor foi definida, de acordo com a “Triple Aim” – considerado modelo de referência para políticas de saúde concentrada em três métricas principais:
- melhor qualidade dos cuidados de saúde;
- resultados em nível populacional; e
- redução dos custos per capita.
Resultados Obtidos:
- Amostra – 37 colaboradores em 4 instituições de saúde, sendo 8 administradores (2 por instituição) e 29 prescritores (4 a 12 por instituição).
- 16 dos 29 prescritores adotavam testes farmacogenéticos.
- Cada instituição que adotava o teste farmacogenético estava em diferentes estágios de implementação da ferramenta.
- Os autores dividiram os temas das entrevistas com os prescritores em três:
- A arte de prescrever – abordando como os testes farmacogenéticos afetam a qualidade da prescrição;
- Atendendo às necessidades dos pacientes – abordando como o teste farmacogenéticos cruzam com a saúde da população; e
- Considerando os custos para os pacientes – quais as implicações de custo dos testes.
A Arte de Prescrever
Essa seção abordou como os prescritores determinavam o melhor tratamento para cada paciente, utilizando seu julgamento pessoal, mesmo com diretrizes existentes.
Os prescritores adotantes dos testes expressaram consistentemente sentimentos positivos, enquanto os não adotantes mostraram sentimentos e opiniões variadas entre si. Os prescritores discutiram a compatibilidade dos testes farmacogenéticos com suas crenças e práticas, reconhecendo que os testes aumentam a confiança e o engajamento dos pacientes no tratamento.
Os prescritores fizeram as seguintes observações positivas com relação aos testes farmacogenéticos:
- O aspecto científico dos testes foi valorizado por um prescritor da atenção primária;
- Os testes melhoraram a adesão dos pacientes e os resultados ao considerar preferências durante o consentimento informado;
- Pacientes financeiramente privilegiados ou pacientes mais jovens valorizam mais as informações dos testes e participam ativamente nas decisões de tratamento;
- Disseram preferir usar os testes farmacogenéticos para pacientes novos ou que não responderam bem ao tratamento inicial
As principais preocupações manifestadas pelos prescritores relutantes em adotar testes farmacogenéticos incluem:
- Potencial falta de vantagem significativa;
- Temiam que os pacientes esperassem encontrar o “medicamento certo” através dos testes, diminuindo a conexão interpessoal da consulta e do tratamento;
- Os resultados do teste podem ser confusos, levando a mal-entendidos.
- Atendendo às necessidades dos pacientes:
Os prescritores foram questionados sobre a utilidade dos testes farmacogenéticos de rotina para a saúde mental.
Em se tratando dos prescritores de atenção primária, estes acreditam que os testes podem reduzir desigualdades no acesso aos cuidados de saúde mental, fornecendo informações adicionais para a tomada de decisões terapêuticas.
Em contraste, alguns psiquiatras veem limitações, sugerindo que a saúde mental deveria focar na precisão dos diagnósticos em vez de medicamentos.
Já dois prescritores com formação em medicina interna e psiquiatria tiveram opiniões divergentes: um vê a subjetividade no diagnóstico como um risco maior do que o tempo para testar medicamentos, enquanto o outro considera os testes vantajosos para o acesso à saúde mental e os utiliza seletivamente para pacientes com intolerância ou falha a medicamentos anteriores.
- Considerando os custos para os pacientes:
Nesse termo, os prescritores tinham opiniões bem divergentes sobre o impacto do custo dos testes farmacogenéticos.
Alguns adotantes não viam os custos como barreira, deixando a decisão para os pacientes tomarem, enquanto outros consideravam os custos serem subsidiados como um ponto positivo, mas não determinante.
Em contraste, os prescritores não adotantes, por falta de percepção de valor ou conhecimento suficiente, não achavam que a informação dos testes justificasse o custo para os pacientes e a incerteza sobre a cobertura do seguro de saúde (do inglês, insurance) também foi um obstáculo mencionado.
Conclusões do Estudo:
- O estudo sugere que os testes farmacogenéticos podem melhorar o acesso aos cuidados de saúde mental nos cuidados primários.
- Prescritores de cuidados primários veem potencial nos testes para fornecer informações adicionais, enquanto psiquiatras se preocupam mais com a precisão dos diagnósticos.
- A colaboração entre cuidados primários e especializados é vital, e a educação dos prescritores pode aumentar o uso dos testes.
- O conforto dos prescritores em discutir os testes com os pacientes é crucial para a adoção.
- A experiência pessoal com os testes e diretrizes mais claras sobre seu uso e aplicação podem ajudar a integrar melhor os testes farmacogenéticos nos sistemas de saúde.
Revisão técnica: Dra. Carolina Dagli.
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As informações contidas neste site são fornecidas apenas como divulgação de informações gerais e não substituem o aconselhamento médico profissional, o diagnóstico ou o tratamento de um profissional de saúde qualificado. Sempre procure o conselho de seu médico ou profissional de saúde quando tiver dúvida sobre ingestão de medicamente ou condição de saúde.
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